Consoante a dicção do “caput” do artigo 1º da Constituição da República Federativa do Brasil (CF), de 1988, o nosso país constitui-se em Estado Democrático de Direito, e estatuiu entre seus pórticos fundamentais a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana (inciso III) – verdadeiro expoente do Estado Ocidental Moderno.

 

Com efeito, por Estado Democrático de Direito temos a situação jurídica, ou sistema institucional, concebido pelo liberalismo; pois todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição (art. 1º, parágrafo único); onde, submetendo cada um e todos (do simples indivíduo até o Poder Público) ao império do Direito, garante a proteção aos direitos e garantias fundamentais. Em corroboração ao expendido, sintetiza o Mst. Enio Moraes da Silva, no artigo “O Estado Democrático de Direito”, outras definições a tal conceito, como se pode notar da transcrição abaixo:

 

“Como se percebe, chegar a uma definição do que seja o Estado Democrático de Direito significaria tentar colocar todos aqueles aspectos dentro do seu conceito, sob pena de não o fazendo termos um conceito incompleto. Além disso, certos elementos desse conceito são tão indeterminados e tão mutáveis – temporal e espacialmente – que uma definição apresentada num dado momento estaria desatualizada no momento seguinte, ou uma definição válida para um tipo de Estado não valeria para outro. Por essa razão, o mais aconselhável não é buscar definir aqui o conceito de Estado Democrático de Direito, mas retomar e reapresentar os valores e princípios que o envolvem ou com ele estão relacionados, para que sua compreensão seja a mais fiel possível. Assim teríamos: (1) Um Estado Democrático de Direito tem o seu fundamento na soberania popular; (2) A necessidade de providenciar mecanismos de apuração e de efetivação da vontade do povo nas decisões políticas fundamentais do Estado, conciliando uma democracia representativa, pluralista e livre, com uma democracia participativa efetiva; (3) É também um Estado Constitucional, ou seja, dotado de uma constituição material legítima, rígida, emanada da vontade do povo, dotada de supremacia e que vincule todos os poderes e os atos dela provenientes; (4) A existência de um órgão guardião da Constituição e dos valores fundamentais da sociedade, que tenha atuação livre e desimpedida, constitucionalmente garantida; (5) A existência de um sistema de garantia dos direitos humanos, em todas as suas expressões; (6) Realização da democracia – além da política – social, econômica e cultural, com a conseqüente promoção da justiça social; (…); (8) A existência de órgãos judiciais, livres e independentes, para a solução dos conflitos entre a sociedade, entre os indivíduos e destes com o Estado; (9) A observância do princípio da legalidade, sendo a lei formada pela legítima vontade popular e informada pelos princípios da justiça; (10) A observância do princípio da segurança jurídica, controlando-se os excessos de produção normativa, propiciando, assim, a previsibilidade jurídica.” (DA SILVA, 2005, p. 229.)

 

A cláusula pétrea de proteção à dignidade da pessoa humana se apresenta agasalhada na Constituição, precipuamente no capítulo que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º), à luz da perspectiva global originada por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (Resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948, em combinação com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, adotado pela XXI Sessão da Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 16 de dezembro de 1966, promulgado pelo Decreto nº 529, de 6 de julho de 1992, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela XXI Sessão da Assembléia-Geral da ONU, em 19 de dezembro de 1966, disposto na legislação pátria por meio do Decreto nº 591, de 6 de julho de 1992, e da Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Conferência Mundial sobre Direitos do Homem), adotada pela ONU em Viena, em 25 de junho de 1993.

 

Sobre tal aspecto, do proposito de se apurar fatos contra quem se imputa a prática de determinado delito, para que se concretize um ideal axiológico deste preceito constitucional de modelo garantista clássico – a legalidade estrita, a materialidade e a lesividade dos delitos, a responsabilidade pessoal, o contraditório entre as partes, a presunção de inocência –, faz-se necessário observarmos aspectos basilares inerentes às pessoas que compõe o núcleo da esfera norteadora desse ideal de Estado de direito, pois o acusado não é simples objeto de investigações, mas “sujeito de direitos, ônus, deveres e obrigações dentro do procedimento destinado a apurar da procedência ou não da pretensão punitiva do Estado” (MARQUES, 1961, p. 77).

 

Nesse rumo, tem-se que a liberdade de ação, expressão da autonomia da vontade, é a liberdade de agir garantida no inc. II do art. 5º da CF, quando este preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou a deixar de fazer algo senão em virtude de lei; faceta esta que se materializa como uma garantia constitucional, que assegura ao particular a prerrogativa de rechaçar qualquer injunção que lhe seja imposta por via diversa da legal.

 

Assim, sendo dotado de um grau mínimo de discernimento e saúde mental, o indivíduo já possui a liberdade de manifestar seu pensamento; desejo de expressar suas convicções intimas, comunicar suas ideias e opiniões formatadas internamente; prerrogativa ínsita à própria existência.

 

Insta destacar, entretanto, que a Constituição não resguarda o anonimato da manifestação, pois, quando do eventual exercício dessa faculdade, o indivíduo pode agir abusivamente e ferir direitos de outrem, ou até mesmo cometer um ilícito penal, nos casos em que sua identidade será imprescindível para viabilizar a responsabilidade aplicável à espécie.

 

É bom que se lembre também que a Constituição prevê que manifestações que causem dano material ou moral à outrem geram, em contrapartida, o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização (art. 5º, inc. V).

 

Com base nisso, em deferência à vedação ao anonimato, a Constituição veda a possibilidade de se acolher denúncias anônimas (apócrifas) para fundamentar a instauração de processos (judicial ou extrajudicial), na intensão de se evitar, com isso, o denuncismo irresponsável e inescrupuloso, que visa somente prejudicar desafetos (BERNARDES; FERREIRA, 2014, p. 94).

 

A par disso, cumpre informar que denúncias e bilhetes anônimos levados ao conhecimento de autoridades públicas geram, por dever funcional, a responsabilidade em averiguar (com toda a cautela) a veracidade dos fatos narrados, desvinculando-se, com isso, a investigação estatal da delação anônima, à exegese do art. 5º, § 3º, do Código de Processo Penal (CPP), promulgado pelo Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.

 

Inobstante a denúncia anônima poder dar início a medidas informais de averiguação sumária, não pode servir como fundamento único para o procedimento investigatório ser instaurado.

 

Outrossim, peças apócrifas podem ser utilizadas como provas quando forem produzidas pelo próprio acusado ou constituírem o corpo de delito do crime.

 

Com muita propriedade, o órgão máximo de superposição jurisprudencial do Poder Judiciário brasileiro, Supremo Tribunal Federal (STF), pacificou entendimento sobre a aceitabilidade da denúncia anônima a certas e determinadas hipóteses, conforme se verifica do trecho a seguir transcrito:

 

“a) os escritos anônimos não podem justificar, só por si, desde que isoladamente considerados, a imediata instauração da “persecutio criminis”, eis que peças apócrifas não podem ser incorporadas, formalmente, ao processo, salvo quando tais documentos forem produzidos pelo acusado, ou, ainda, quando constituírem, eles próprios, o corpo de delito (como sucede com bilhetes de regate no delito de extorsão mediante sequestro, ou como ocorre com cartas que evidenciem a pratica de crimes contra a honra, ou que corporifiquem o delito de ameaça ou que materializem o “crimen falsi”, p. ex.); b) nada impede, contudo, que o Poder Público, provocado por delação anônima (“disque-denúncia”, p. ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumaria, “cm prudência e discrição”, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da “persecutio criminis”, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em ralação às peças apócrifas; e” (STF. Inq. 1.957-7/PR, relatado pelo Min. Carlos Veloso. Voto do Min. Celso de Mello.)

 

Outrossim, para efetiva abstração do exercício da liberdade de manifestação do pensamento em face ao Poder Público, deve o indivíduo investir da utilização de outro instrumento (instituto) jurídico também previsto na Constituição, qual seja, do direito a petição.

 

Conforme se depreende da leitura do inc. XXXIV do art. 5º da CF, “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder”. Via de regra, o direito de petição terá cabimento sempre que houver necessidade de defesa de direitos, ou quanto for constatado o cometimento, por parte de agentes do Poder Público, de uma ilegalidade ou de um abuso de poder.

 

Trata-se, portanto, de direito que poderá ser exercício por todos, ou seja, pessoas naturais, nacionais ou estrangeiras residentes no país, tal como pessoas jurídicas estabelecidas no Brasil, tendo por destinatário qualquer órgão ou autoridade do Poder Público. É desnecessário que tal pedido seja dirigido ao órgão efetivamente competente, sendo, pois, incumbência daquele que o receber encaminhá-lo à verdadeira autoridade competente, em primazia ao princípio constitucional do juiz natural (CF, art. 5º, inc. XXXVII e LII); estes dois incisos estão reunidos pois traduzem princípios absolutamente vinculados: o da vedação de tribunais de exceção e o do juiz natural, eis que o intuito do estabelecimento dessas garantias é o de impedir que o órgão julgador seja estabelecido após a ocorrência do fato, de maneira arbitraria, propiciando perseguições, inclusive políticas, nada condizentes com um Estado Democrático de Direito (MASSON, 2020, p. 355).

 

Além disso, imperioso se faz trazer à colação que uma das mais amplas e relevantes garantias que temos na Constituição é a do princípio do devido processo legal (“due process of law”, que se traduz na ideia de que um conjunto de garantias processuais, formais e materiais, deverão ser observadas para que esta norma constitucional seja satisfeita, princípio este responsável por trazer implicitamente os princípios da razoabilidade (ligado à ideia de bom senso; relação de equivalência entre a medida adotada e o critério que a dimensiona) e proporcionalidade (protege a liberdade individual contra medidas estatais arbitrarias, em concretização aos direitos e garantias fundamentais).

 

Como consequência lógica direta do princípio anterior, temos a previsão de duas importantíssimas garantias constitucionais: o contraditório e a ampla defesa. Por ampla defesa, há conceber o direito de apresentar no curso do processo todos os meios lícitos que permitam ao sujeito provas seu ponto de vista, inclusive manter-se em silencio, se omitir se esta postura lhe parecer mais favorável, à exegese do princípio da presunção de inocência (CF, art. 5º, inc. LXIII). Por seu turno, o contraditório se traduz no direito de o sujeito poder contradizer tudo aquilo que for apresentado no processo pela parte adversa.

 

Entretanto, embora a defesa técnica seja indispensável (Súmula 523 do STF), o exercício da autodefesa é renunciável para o acusado, tanto assim que ele poderá calar-se impunemente por ocasião do interrogatório; poderá deixar de comparecer às audiências designadas (situação em que sofreará os efeitos da revelia), bem como deixar de postular pessoalmente, sem que de qualquer dessas situações se tire causa de nulidade, salvo quando não se tratar de renúncia, mas de obstáculo ilegalmente imposto pelo juiz (MARCÃO, 2020, p. 696).

 

Merece ser trazido à lume que, em deferência ao princípio da presunção de inocência, cuja finalidade central é a de tutelar a liberdade individual, tanto no âmbito judicial quanto extrajudicial (prisão militar, p. ex.), a decisão condenatória só surtira efeito prático e jurídico no ato de conclusão do processo acusatório, e isso ocorre quando for certificado o seu trânsito em julgado, isto é, ao se tornar imutável a resolução proposta e não mais admitir recurso, é só a partir daí que o sujeito (indivíduo) poderá ser considerado culpado e, consequentemente, punido.

 

Além disso, a Constituição garante a efetiva publicidade processual (arts. 37, “caput”, e 93, inc. IX), exceto nas hipóteses de sigilo previstas na legislação brasileira ou na do Estado requerente, à exegese do inc. III do art. 26 do Código de Processo Civil (CPC), promulgado pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, haja vista que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos (CPC, art. 11), tal como determina a que todos os atos processuais sejam públicos; todavia tramitam em segredo de justiça os processos (CPC, arts. 189 e 195): I – em que o exija o interesse público ou social; II – que versem sobre casamento, separação de corpos, divórcio, separação, união estável, filiação, alimentos e guarda de crianças e adolescentes; III – em que constem dados protegidos pelo direito constitucional à intimidade; IV – que versem sobre arbitragem, inclusive sobre cumprimento de carta arbitral, desde que a confidencialidade estipulada na arbitragem seja comprovada perante o juízo.

 

Ademais, a Constituição assegura, ainda, o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional (art. 5º, inc. XII). Essa garantia constitucional também ecoa no processo civilista, onde se autoriza tanto a parte quanto ao terceiro se escusarem de exibir documento ou coisa que acarretem a divulgação de fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar segredo (CPC, art. 404, inc. IV), tal qual não obriga a parte ou a testemunha a depor sobre fatos a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar sigilo (CPC, arts. 388, inc. II, e 448, inc. II).

 

Necessário se faz trazer à tona que a conduta de violar segredo profissional está tipificada no art. 154 do Código Penal (CP), publicado no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1930, e submete o direito tutelado à perquirição do microssistema processual, por se classificar como transgressão de menor potencial ofensivo.

 

É notório, portanto, que do arcabouçou legislativo brasileiro há expressa previsão acerca da codificação do garantismo à efetivação do Estado Democrático de Direito, à luz do substrato da dignidade da pessoa humana, restando preservado, portanto, os direitos e garantias constitucionais do indivíduo, especialmente quando tal inquirido se afigura na condição de objeto de investigação e é submetido ao crivo do processo inquisitorial, incluído aqueles concernentes ao Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

 

Via de regra, o PAD tramita em sigilo absoluto, conforme se infere do art. 150 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais; em seus Títulos IV (do Regime Disciplinar, arts. 116 a 142) e V (do processo administrativo disciplinar, arts. 143 a 182).

 

A esse respeito, a Controladoria-Geral da União (CGU), ao promover suas diversas competências estabelecidas no Decreto nº 9.681, de 3 de janeiro de 2019, e na intensão de padronizar, normatizar e aprimorar procedimentos atinentes à atividade de correição, inclusive de instauração de PAD, elaborou diretrizes, publicada no “Manual de Processo Administrativo Disciplinar”, com noções de Direito Administrativo Disciplinar, de onde, acertadamente, podemos extrair que:

 

“O Direito Administrativo Disciplinar é um ramo do Direito Administrativo, que tem por objetivo regular a relação da Administração Pública com seu corpo funcional, estabelecendo regras de comportamento a título de deveres e proibições, bem como a previsão da pena a ser aplicada. O Direito Administrativo, nas palavras de Hely Lopes Meirelles, “é o conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado” (MEIRELLES, 2011, p. 40). Ou seja, não compete ao Direito Administrativo tratar da concepção do Estado, sua atividade legislativa, judicial ou social, objeto de estudo de outros ramos do Direito. Sua função é a organização interna da Administração Pública, sua hierarquia, seu pessoal, o funcionamento dos seus serviços e suas relações com os administrados. Para bem executar as atividades que lhe são incumbidas, a Administração precisa de meios para organizar, controlar e corrigir suas ações. Surge, portanto, a necessidade de meios hábeis a garantir a regularidade e o bom funcionamento do serviço público, a disciplina de seus subordinados e a adesão às leis e regras dele decorrentes, o que, no conjunto, denomina-se Direito Administrativo Disciplinar. O Direito Administrativo Disciplinar, como ramo do Direito Administrativo, possui relações com outros ramos do Direito, notadamente o Direito Constitucional, o Penal, o Processual (civil e penal) e o do Trabalho. Importante destacar que, se por um lado o Direito Administrativo Disciplinar possui interface com outros ramos do Direito, por outro não se pode confundi-lo com os mesmos. Como exemplo, mesmo se uma infração disciplinar fosse também considerada como crime, não se poderia tratar o ilícito administrativo da mesma forma que o penal, pois se aquele trata de um direito em regra disponível, este protege um direito indisponível, considerado mais relevante sob a luz do Direito, fundamentado em outras normas e princípios.” (CGU, 2021)

 

Para os fins de nosso estudo, interessa em especial a questão de que trata o Processo Ético-Profissional (PEP) no seio dos CRM(s), os quais têm por escopo, apurar fatos infracionais que importem em violação às normas deontológicas estabelecidas pelo CEM, em combinação com o CPEP.

 

É de todo oportuno gizar que o PEP tem natureza eminentemente administrativa, adstrito a competência do CFM, cabendo eventualmente ao Poder Judiciário aferir apenas os aspectos formais e procedimentais (devido processo legal), sendo vedado o reexame do mérito da decisão.

 

A despeito das disposições gerais do CPEP, imperioso se faz trazer à baila que a investigação disciplinar perante o CRM se processa por meio de Sindicância, de oficio ou mediante denuncia escrita ou verbal, e, se for o caso, convola-se em instauração de PEP (arts. 1º e 2º, parágr. único); ambos tramitaram em sigilo processual (art. 1º), e a competência para apreciar e julgar as infrações éticas é do CRM em que o médico esteja inscrito ao tempo da ocorrência do fato punível (art. 2º). A denúncia deve conter a identificação completa do denunciante, na qual conste o relato circunstanciado dos fatos, e quando possível, a qualificação completa do médico denunciado, com a indicação das provas documentais (art. 12, § 2º), sendo, portanto, vedado o seu anonimato (art. 12, § 6º).

 

O processo e julgamento das infrações previstas no CEM são independentes, e não se vinculam a questão criminal ou cível sobre os mesmos fatos, pois a responsabilidade criminal subsumisse ao preceito deontológico; eventual sentença penal absolutória somente influirá na apuração da infração ética quando tiver por fundamento o art. 386, incs. I (estar provada a inexistência do fato) e IV (estar provado que o réu não concorreu para a infração penal) do CPP.

 

De acordo com o art. 22 da Lei nº 3.268/1957, que dispõe sobre os Conselhos de Medicina, as penas disciplinares aplicáveis pelos CRM(s) aos seus membros, salvo os casos de gravidade manifesta que exijam aplicação imediata da penalidade mais grave à imposição das penas (§ 1º), a gradação obedecerá a seguinte ordem: a) advertência confidencial em aviso reservado; b) censura confidencial em aviso reservado; c) censura pública em publicação oficial; d) suspensão do exercício profissional por até 30 (trinta) dias; e) cassação do exercício profissional, “ad referendum”, pelo CFM.

 

A depender do caso, eventual punição pode ser bastante severa.

 

A existência formal de processo, em sede judicial ou administrativa, esta última perante o CRF, portanto, torna litigiosa a matéria nele debatida e sua repercussão pode alcançar patamares que denigram o bom-nome do(a) médico(a).

 

Nesse diapasão, quando da improcedência de tais denúncias perante o CRM, a apuração da responsabilidade penal de leviano paciente é medida que se impõe, pois, de forma consciente e voluntaria, ou seja, dolosamente, tal suposto ofendido outra coisa não fez senão induzir competente órgão classista a erro, submetendo indevida e desarrazoadamente pretenso(a) investigado(a) a penoso cilício, do propósito de, criminosamente, ofender o brio de distinto profissional da saúde.

 

Conclui-se, portanto, que a utilização do aparato estatal ou administrativo, no intuito de se fazer com que o Poder Público, ou suas autarquias corporativas, que exercem poder de polícia administrativo quando atuam na fiscalização da respectiva atividade de profissional, voltem suas atenções à análise de denúncias inúteis ou vazias, desprovida de qualquer embrião fático-probatório, certamente outra coisa não caracteriza senão a conduta de denunciação caluniosa (calunia qualificada), como se depreende do comando inserto no art. 339 do CP.

 

Referências:

 

  • BERNARDES, Juliano Taveira; FERREIRA, Olavo Augusto Vianna Alves. Sinopses para concursos: v. 17 – Direito Constitucional – Tomo II. 3ª ed. Salvador: Juspodvm, 2014.
  • CGU – Controladoria-Geral da União. Manual de Processo Administrativo Disciplinar. Uma publicação da Corregedoria-Geral da União. Brasília. Janeiro de 2021. Disponível em: < https://www.gov.br/mcti/pt-br/acompanhe-o-mcti/correg/arquivos/publicacoes/manual-teorico-de-processo-administrativo-disciplinar.pdf >. Acesso em: 26 de agosto de 2021.
  • DA SILVA, Enio Moares. O Estado Democrático de Direito. Revista de Informação Legislativa. Brasília a. 42 n. 167 jul./set. 2005. Disponível em: < https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/794/R167-13.pdf >. Acesso em: 26 de agosto de 2021.
  • MASSON, Nathália. Manual de direito constitucional. 8ª ed. ver. ampl. e atual. – Salvador: Juspodivm, 2020.
  • MARCÃO, Renato. Curso de processo penal. 6ª ed. – São Paulo: Saraiva, 2020.

 

Publicado em 31 de agosto de 2021.

 

RUMMENIGGE CORDOVIL GRANGEIRO | Advogado inscrito na Seccional Amazonense da Ordem dos Advogados do Brasil sob o nº 5.810 | Pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes | Pós-graduado em Direito Público pela Universidade Damásio | Pós-graduado em Direito Médico e Hospitalar pelo Centro Universitário União das Américas | Despachante Aduaneiro inscrito na Secretaria da Receita Federal do Brasil sob o registro nº 2D/00.444 da 2ª Região Fiscal | Livre docente | grangeiro@grangeiro.adv.br | https://grangeiro.adv.br/